terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
YEMANJÁ, A MÃE DOS ORIXÁS
Sem sombra de dúvida, Yemanjá é o orixá mais popular no Brasil e talvez isso valha também para outros países costeiros, ou a beira mar como Cuba onde esta é considerada a rainha da ilha pelos santeiros. Como outros ancestrais nagôs, o culto a tal orixá realizado na cidade de Abeokutá e no rio Ogun sofreu um processo significativo de reinterpretação simbólica no Novo Mundo. O exemplo mais ilustrativo disso, é a perda de características guerreiras em detrimento da exacerbação de elementos como virgindade, pureza e docilidade ideais por excelência da figura da Virgem Maria que desde cedo recebeu atributos das deusas africanas, a exemplo de Isis de quem herdou o titulo de Mater Dei e de outras deusas gregas e romanas. Diferente da idéia de humildade e submissão, características esperada das mulheres pelos gregos como a terra que sustenta o céu, Yemanjá está no começo da criação do Mundo. Acredita-se que ela forma um par criativo com Oxalá. Isso explica a sua profunda relação com o elemento água cheio de significados na maioria das civilizações. Por exemplo, algumas mulheres indígenas do litoral se lavavam na praia pois acreditavam que a espuma do mar as tornavam férteis. Yemanjá é o principio criativo da fertilidade. Ela esta na terra, nos grãos, nos rios, nos mares, em todas as mulheres e em todos os seus filhos, que coparticipam desse poder graças à força conferida pelas Grandes Mães. As representações desse Orixá que desde cedo foi associada às sereias, ao longo da história recebeu elementos que lhe afastam da representação africana. Em algumas dessas para se falar da noção de beleza, se fez uso de características não negras, desta maneira, a representação da mulher com seios volumosos e formas arredondadas cedeu lugar para a imagem de uma mulher branca, cabelos lisos e corpo magro e esguio. Não estamos com isso contestando a capacidade do devoto fazer a sua experiência religiosa nessas representações, mas chamando a atenção para o fato de que as imagens do sagrado vinculam visões de mundo e expressam valores da sociedade que lhe está produzindo o tempo todo, o problema está quando não nos damos conta disso. Sobre isso, as mulheres do movimento negro iniciaram já há alguns anos uma crítica e tem se avançado muito. E a sereia? Sempre disse que é o contrário da principio da Grande Mãe, por tratar-se de seres que carregam a “maldição” de não poderem ter filhos, o contrário de Yemanjá, mãe dos Orixás, a menos daqueles ligados a dinastia de Oyó como Ogun, Odé, Xangô e Oxun. Da sereia grega, o símbolo que estabelece melhor diálogo com Yemanjá é a imagem do peixe que como o pássaro, o leque e as águas são considerados “princípios femininos” que não podem ser compreendidos em contraposição a outros. Dessa maneira, o atributo por excelência da Grande Mãe é a guerra. Segundo um de seus mitos, ela teria ensinado a Ogun forjar as “pencas”, depois transformadas nos famosos balangandãs que mais do que enfeites, cumpre funções de proteção, depois a espada para defender o seu reino. Outra história conta como Yemanjá venceu alguns inimigos que marchavam em direção ao seu reino. Era teria se enfeitado e levantado o seu leque que em contato com o sol, multiplicou o seu exercito. Sobre a origem dos presentes oferecidos as águas, já explicamos no texto sobre as oferendas. Trata-se de uma prática antiga que pode ser encontrada em várias civilizações. A sua origem esta na concepção do valor da troca de presentes com os ancestrais verdadeiros responsáveis pela manutenção das comunidades. Nos últimos anos grupos ambientalistas tem aberto a discussão sobre o nível de poluição representado pelos presentes a base de produtos não degradáveis como plásticos, vidros e outros. Claro que o povo de candomblé não pode ser responsabilizado pela poluição dos mares, talvez isso valha para as indústrias e empreendimentos imobiliários que poluem as águas todos os dias a toda hora. Temos, todavia, que estarmos atentos aquilo que oferecemos, afinal, nossos antepassados não conheceram alguns presentes que hoje teimamos em colocar nas águas, e se tivessem conhecido, sem sombra de dúvida não colocariam, pois sabiam que o maior presente são os grãos, as flores e a nossa vida. Nos terreiros de tradição nagô, diz-se que ela cuida de nossas cabeças e de tudo que se relaciona ao equilíbrio. Nas tradições angola-congo, este princípio é evocado como o nome de Kaia, mas há também tradições que o chamam de Aziri Tobossi, como a jeje. Mais do que a designação, cada comunidade possui estórias próprias para falar desse ancestral da fertilidade que não pode ser encerrado na concepção da maternidade, afinal, há várias maneiras de conceber. Vale mesmo não se afastar da idéia de que cada ser vivo que nasce é um ancestral que se faz presente através da constituição de longas famílias. Assim Yemanjá, Kaya, Aziri Tobossi e mesmo Yara, está em tudo. Talvez no início tal principio tenha sido associado as águas graças a importância que estas cumpriam nas civilizações responsáveis por tal representação. O principio de fertilidade está, na verdade em tudo. Ele garante o equilíbrio das coisas, as mantendo entrelaçadas como escamas, nos fazendo peixes filhos de uma mãe cujo filhos são peixes. Ye/ Omo/ Ejá.
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Quem sou eu
- VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR
- Salvador, Bahia, Brazil
- Antropólogo, Doutor em Ciênciais Sociais pela PUC-SP e Pós Doutor em Antropologia pela UNESP. Membro do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, Grupo de reflexão inter-disciplinar sobre Teologia e cultura fundado no início dos anos 90 em São Paulo.Professor da Escola de Nutrição da UFBA, autor de vários livros na área de Antropologia das Populações Afro-Brasileiras.