sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
O CANDOMBLÉ E A FESTA DAS FRUTAS
Há tempos atrás, quando a cidade de Salvador era um pomar, no mês de dezembro por ocasião da festa de nossa Senhora da Conceição da Praia, realizada no dia 8 de dezembro, acontecia a festa das frutas. A festa das frutas ou como se dizia, a festa das frutas do ano (manga, lima, limão, figos e outras) é uma permanência no Novo Mundo de rituais antigos que celebra os ancestrais através do oferecimento dos primeiros frutos da terra. A festa das primícias é uma espécie de agradecimento aos antepassados, assim se acreditava que o consumo destas antes do dia 8 de dezembro “fazia mal.” As civilizações africanas desde os primórdios realizaram festas para de sacralizarem os frutos da terra, ou melhor, para colocarem o presente dos ancestrais num nível que pudesse ser tocado pelos seres humanos, a partir da concepção de que tudo que sai da terra pertence a esta e é tão sagrada quanto a mesma. Nas religiões de matriz africana, as frutas especialmente estão ligadas às Iyabás, pois como estas, são verdadeiros ventres que guardam as sementes. Nos terreiros de candomblé de tradição jeje nagô estes princípios ancestrais ligados à terra, aos rios, às cachoeiras, às matas, ao mar, aos ventos, são representadas como mulheres guerreiras, caçadoras, comerciantes, médicas e artistas. Afirma-se também que elas estão por toda a parte, no céu como a lua e as estrelas, no mar encantada em qualquer peixe, sobre a terra em todos os seres vivos e no ar, movimentando-se como o beija flor, a borboleta, as abelhas ou qualquer pássaro, um de seus símbolos por excelência. De acordo com algumas histórias preservadas nas comunidades terreiros, estão sempre se transformando em pássaros. O poder de transformar-se ou encantar-se é outra característica das Yiabás. Iyemanjá mesmo, a mãe dos orixás encanta-se como qualquer peixe. Ela teria se transformado num rio a fim de vencer uma montanha que se colocou como obstáculo no seu caminho. Oyá também se encanta ora num leopardo, ora num búfalo. E como não lembrar de Oxun, a Iyabá que “vestiu de planta”? E Ewá, a caçadora que tem o poder de ficar invisível. Assim, as Iyabás estão presentes em toda a nossa vida. Elas presidem todos os ritos de passagem, assim elas acompanham desde o nascimento à morte. Até mesmo aquelas sobre as quais pouco se fala como a velha Opaoká, cultuada nas centenárias jaqueiras, Agê Xalunga, a que preside o comércio, Obá , guardiã de todas a mulheres e Nanan, a mãe criadora e principio da transformação. Não obstante estes elementos que apresentamos, o símbolo por excelência das Iyabás mesmo é a terra. Ela é a grande mãe, a que nos sustenta, razão pela qual é saudada como Iyá mim, literalmente minha mãe. De acordo com a tradição ioruba, no principio do mundo, a terra, representada pela mulher foi o único antepassado que acompanhou os dois princípios ancestrais: Oxalá e Ogun. Isso nos leva a crer que para estes grupos as mulheres sempre desempenharam vital importância e sobre elas caíram a responsabilidade de como a terra sustentar o mundo. Como no mito que conta que Nanan ampara o mundo. É ela quem cuida, junta, ao mesmo tempo que separa para que o dia não se encontre com a noite, os planetas não se choquem e assim por diante. Acredita-se que a força da terra esteja presente em todos nós, mas de forma especial nas mulheres, talvez isso explique porque desde cedo as primeiras civilizações para estas compuseram cânticos, ou mesmo as chamaram de música, ou assim que puderam, as transformaram em objeto de adoração, ergueram para elas cultos, ou ainda estabeleceram relações entre estas mulheres e as frutas que como a terra guardam elementos geradores de vida.
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Quem sou eu
- VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR
- Salvador, Bahia, Brazil
- Antropólogo, Doutor em Ciênciais Sociais pela PUC-SP e Pós Doutor em Antropologia pela UNESP. Membro do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, Grupo de reflexão inter-disciplinar sobre Teologia e cultura fundado no início dos anos 90 em São Paulo.Professor da Escola de Nutrição da UFBA, autor de vários livros na área de Antropologia das Populações Afro-Brasileiras.
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