segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O CULTO AOS ANTEPASSADOS NA ILHA DE ITAPARICA


Das poucas sociedades secretas africanas de que se têm notícias no Brasil, a única sobrevivente é a chamada sociedade secreta de Egungum, ou culto aos Eguns. A semelhança das organizações ainda hoje encontradas em alguns lugares do Continente Africano, o chamado candomblé de Egun luta para preservar as características originais dos tempos imemoriais de quando foram organizados pelos seus fundadores. No Brasil, particularmente, na cidade de Itaparica, referência para se pensar tal culto, antepassados africanos como Baba Olukotum, Baba Agboulá, Baba Bakabaká, Baba Alapalá, Baba Omorotodô, Baba Ajimuda e muitos outros representantes dos antepassados que deram origem às famílias africanas que saíram para povoar o mundo, juntam-se a antepassados brasileiros ou que se fizeram brasileiros como Baba Xoadê, Marcos Pimentel, chamado de Marcos, o velho e Baba Olu, Marcos Teodoro Pimentel, seu filho, lembrados como um dos fundadores em finais do século XIX do Terreiro Tuntum. Segundo a tradição oral, após conseguir a sua alforria, Marcos, o velho e seu filho, teriam ido à África de onde trouxeram objetos rituais do culto a Baba Olukotum para poder adorara-lo no Brasil. Soma-se a estes, antepassados como Baba Oba Erin, Baba Alateorum, Baba Obaladê, Baba Oba Marun, Baba Etawexe, Baba Nilá e muitos outros, o antepassado mais brasileiro de todos, que aparece no raiar do dia, trazendo alegria e permitindo intercalar as frases em ioruba ritual com o português: Baba Yawô, o índio. O candomblé de Egum é um culto familiar. Nele é reverenciado nossos pais e mães, aqueles que nos antecederam e são os responsáveis pela manutenção, concretização e perpetuação da memória negro africana no Brasil. Na ilha de Itaparica, além do Ilê Agboulá e do Ilê Tuntum podemos encontrar ainda o Ilê Obaladê, o Ilê Kiobé, o Ilê Omo Nilê, o Ilê Odelorum e o Ilê Marabô, ao lado de outros terreiros em expansão. Na cidade de Salvador, não podemos deixar de mencionar o Ilê Axipá. Em todos podemos perceber a afirmação da existência coletiva através do culto aos antepassados. A Sociedade Secreta de Egungum é uma organização masculina. Apenas os homens tem o poder de evocar os mortos, penetrar na casa do segredo, fazendo nascer da terra aqueles que um dia estiveram conosco. Não obstante este fato, as mulheres gozam de prestigio e distinção dentro do grupo. A elas são distribuídas cargos, chamados postos. Os postos exortam o papel, a função e o significado das mulheres na criação e reorganização do mundo que tem a morte como principal elemento para se perceber a dinâmica da vida. Outra presença marcante no culto a Baba Egun, são as crianças. Meninas desde cedo dividem o espaço do barracão reservado as mulheres com as suas mães a fim de reverenciar Baba e ser saudadas por ele. Baba chama cada uma dessas mulheres pelo seus postos. Quanto aos meninos, assim que começam a andar já passam imitar seus pais e começam a correr desde cedo com uma vara de madeira na mão, a semelhança dos ixãs, varas consagradas ritualmente utilizada para evocar os espíritos, conduzi-los até os vivos e protegê-los do segredo velado pelas roupas. No barracão onde se desenrolam as festas, os Eguns dançam embalados pelas músicas entoadas pelas mulheres, trazendo a alegria e revigorando durante toda a noite as forças esgotadas dos dias de trabalho. Baba Egum também aconselha, faz dar risada, pular, sacudir o corpo, afinal, está vivo é está no mundo caminhando, dançando, comendo, bebendo, tendo sucesso, etc. O centro do culto a Baba Egum é a benção, ela serve como já lembramos, para aumentar os anos de vida de quem a pede. Ser abençoado é ter saúde, dinheiro, sucesso no comércio, nas relações inter pessoais, em fim em tudo que faz. Em algumas dessas comunidades, o mês de setembro reveste-se de enorme significado pois nesta ocasião são reverenciados dois antepassados africanos considerados fundamentais para a consolidação da memória negro-africana no Brasil: Baba Agboulá e Baba Bakabaká. O primeiro no dia 8 de setembro e o segundo no dia 13 do mesmo mês. Ambos são reis africanos e como ainda em partes desse Continente, surgem nas primeiras horas da manhã liderando um cortejo saudado por fogos e palmas das pessoas que se enfeitam para recebê-los e saudar os nossos pais fundadores. Não obstante o significativo número de trabalhos e estudos publicados tendo como referência algumas dessas casas, o Candomblé de Baba Egun goza ainda de um certo abandono por parte dos órgãos responsáveis em proteger, promover e salvaguardar o patrimônio material e imaterial afro-brasileiro. É como se as famílias das localidades chamadas Bela Vista e Barro Branco, por exemplo, não existissem, não pagassem impostos, não cumprissem com a sua obrigação de cidadãos brasileiros. A fim de proteger o segredo do culto dos olhares curiosos que sempre lhes acompanhou, é verdade que no decorrer de suas vidas estas comunidades foram desenvolvendo estratégias para se preservar, temendo à sua redução à teatralização e ao espetáculo. Desta maneira, tal observação foge a reinvidicação de se está na mídia, mas deve-se ao menos se ter garantidas questões mínimas ligadas a infra-estrutura como estradas acessíveis, iluminação, ou mesmo ações que garantam estas comunidades manter um culto que funciona como uma espécie de síntese de várias expressões da cultura popular na Ilha de Itaparica. Sentimos falta dos Programas de Incentivo a Cultura. E ao contrário do que se pode vim afirmar, estas comunidades tem procurado alguns destes, mas tem se deparado com a falta de vontade política que faz se arrastar durante anos processos que beneficiariam estas comunidades. O bom mesmo é que não obstante estes fatos, o culto aos antepassados continua vivo na ilha de Itaparica graças às redes de solidariedade estabelecidas entre as famílias que mais do que o pacto de não revelar o segredo de seu culto, acreditam que a única maneira de sobreviver as situações de riscos sociais que são constantemente expostas é através da afirmação de que só conseguimos permanecer no mundo através da afirmação de identidades feitas em comunidades à semelhança das tiras de pano que quando juntas formam a “roupa”que se faz e desfaz, distribuindo axé, vida que nos mantém no mundo dos vivos ao mesmo tempo em que nos coloca diante do segredo escondido pela mesma roupa do mundo da morte, onde a existência não tem fim.

3 comentários:

  1. A Roça do Ventura com árvores centenárias de valores religiosos, histórico e cultural esta sendo devastada arbitrariamente sem o alvará do CREA pois quando questionado ao responsável pela terraplanagem ele não emitiu nenhum documento que comprovasse a legalização da obra .
    Segundo Cacau Nascimento em seu Blog parte da Roça de Ventura, como é conhecido o terreiro de candomblé jêje marrin denominado Zô Ôgodô Bogum Malê Seja Hundê, está sendo invadida pelo posseiro da Fazenda Altamira, o advogado Ademir Passos. Segundo o ogan responsável pelo terreiro, um trator está desmatando a área, provavelmente para iniciar imediatamente a construção de um condomínio residencial. Segundo ele, o tratorista por pouco não derrubou uma árvore sagrada, plantada em 1878, que fica localizada no limite entre o terreiro e a fazenda.
    A fazenda Altamira, que a comunidade-terreiro do Seja Hundê chama de Roça de Cima, pertencia na década de 1870 a José Maria de Belchior, conhecido como Zé de Brechó. Nessa fazenda, ele, juntamente com a africana Ludovina Pessoa, a responsável pela fundação do terreiro do Bogum, de Salvador, fundaram o Seja Hundê de Cachoeira que depois da abolição da escravatura se transferiu para a uma roça contígua, a citada Roça de Ventura.
    Vendido em 1904 pelas irmãs e herdeiras de Zé de Brechó aos filhos de Zacharias Milhazes, estes vendo muitas assombrações no lugar venderam, em 1912, ao advogado Moyses Elpidio de Almeida, Em 1922 a fazenda foi adquirida pelo advogado Nelson Falcão em mãos de seu colega Moyses. Este, também assombrado, vendeu a Aurino Longuinho (que ao ver numa assombração quase morre). Longuinho então revendeu , ou devolveu o pepino, ao Dr. Nelson, que legou a seus filhos, que, assombrados, legaram a seus netos, permanecendo até poucos dias atrás em mãos da última herdeira, Marta Falcão. Assombrada, doava, oferecia a propriedade apela bagatela de 20 mil reais (15 mil morria). Muito barata para uma propriedade de 12 hectares de terras bem localizadas e cheias de axé plantados por africanos. Segundo Cacau Nascimento,o porquê da barateza era que o imóvel está até aqui atolado de dívidas com o INCRA, porque tudo desmoronou, a trerra perdeu a força, como todos os outros proprietários, se deu mal .o Seja Hundê está em O rocesso de tombamento pelo IPHAN e no projeto está incluída a área onde originou o terreiro.
    O empreendedor advogado Dr. Ademir Passos tem lá suas razões para encarar o negócio. Ele é também posseiro da problemática e irregular fazenda Caquende, um balneário cheio de história, lugar onde acolheu Von Martius e Von Spix, mas que foi abandonado pelo ex-deputado e ex-vice-governador Edvaldo Brandão Correia. Dizem por aí que o Dr. Ademir pretende fazer um condomínio de luxo, algo do tipo Costa de Sauípe.
    Detalhe: para onde será que vai desaguar a rede de esgoto do condominio, na fonte de Óxum que corre dentro da roça?Por favor divulgue para mobilização da comunidade.

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  2. Os grilheiros e os grandes financiamento imobiliário estão com a lei no bolso.........

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Quem sou eu

Salvador, Bahia, Brazil
Antropólogo, Doutor em Ciênciais Sociais pela PUC-SP e Pós Doutor em Antropologia pela UNESP. Membro do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, Grupo de reflexão inter-disciplinar sobre Teologia e cultura fundado no início dos anos 90 em São Paulo.Professor da Escola de Nutrição da UFBA, autor de vários livros na área de Antropologia das Populações Afro-Brasileiras.