sábado, 30 de janeiro de 2010
IYA AGBA YIN, A MÃE MAIS VELHA
Dentre os estudos afro-brasileiros, muito já se escreveu sobre os Orixás Oyá, Oxun e Yemanjá. Em contrapartida, ainda pesa sobre Nanã um silêncio pelo desconhecimento, se não de suas histórias, da sua importância como figura que em alguns mitos confunde-se com o próprio Universo.
Das poucas histórias sobre Nanã , a mais conhecida é a que fala do abandono por ela de um de seus filhos, Obaluaiyê, por este ter nascido doente. Em outro mito, Nanã teria tido duas crianças, uma feia e a outra bonita. Quando perguntada sobre seus filhos, Nanã teria escondido Omolu, “o filho feio” e apresentado, Oxumarê, o mais bonito. Há também a história que fala da sua disputa com Ogun pela antiguidade no mundo. Perdendo a briga, Nanã decide rejeitar todos os instrumentos que passam pelas mãos do filho mais novo de Oduduwa. Por fim, encontramos ainda o mito que fala sobre a disputa entre Yemanjá e Nanã, a primeira descrita como jovem e bonita e a segunda feia e velha. Ganhou a primeira após induzir a velha a tomar um banho de lama.
Não precisamos ir muito longe para demonstrar que se trata na verdade de fragmentos de mitos a maioria resignificados quando as religiões de matriz africana se constituíram no Brasil.
Do primeiro, podemos chamar a atenção para a relação entre Nanã, Obaluaiyê e as doenças; No segundo, a relação que alguns grupos que formaram o Reino do Danxomé estabeleceram desde cedo entre Nã, chamada de Minona, literalmente, “nossa Mãe Nã”, na língua Fon e os gêmeos. A disputa entre Nanã e Ogun atesta a antiguidade de comunidades do Oeste do Danxome que teriam migrado para as várias regiões antes da chegada do Grupo liderado por Oduduwa, ancestral mítico do povo Iorubá que organizaram-se em torno dos “ancestrais da terra.”
Um estudo mais elaborado sobre alguns desses fatos foi realizado pela antropóloga Claude Lepine e apresentado em forma de Livro intitulado: Os dois reis do Danxome. Neste trabalho a autora registra que em Ilé Ifé, Obaluaiyê teria chegado antes de Oduduwa juntamente com Buku, ancestral responsável pela varíola. De Oyó, Obaluaiyê migrou para o pais Mahi e Buruku seguiu com a mesma representação. Em Ibadan, Sapanan e Buruku chegaram juntos do Danxome ou do Togo e lá foram cultuados juntos, confundido-se o guerreiro e a varíola. Isso valeu também para Abeokuta onde acreditava-se que Buruku teria vindo de Savé e Omolu do Danxomé. (LEPINE, Claude. Os dois reis do Danxome. São Paulo: Edusp, 2000.p. 15)
Se é difícil determinar com precisão a data do aparecimento da varíola uma vez que ela recebia até o século XVII a denominação genérica de peste (LEPINE, 2000.p.3) é consenso se não a data, a idéia de que a primeira epidemia teria ocorrido em Meca em 568 ou 572. O mesmo vale para o outro lado do continente, na India e na China nos séculos VI e VII AC há descrições parecidas com a doença e a menção a deusa da varíola.
A varíola chegou ao Brasil com os tráfico e desde cedo assolou a vida de muitas pessoas. Edison Carneiro no texto: Omolu, o medico dos pobres, ao fazer uma breve descrição da situação da saúde da população negra e pobre da cidade de Salvador – população que resiste ir aos hospitais, e se entregar a sorte de morrer a míngua, abandonada- resume a função que Nanã ocupava no universo destas populações. Ele escreveu: “Obaluaiyë é a varíola e Nanã é literalmente a vacina, a Ya agba yin, a que cura, a que cuida, a que toma conta.
Nã, na verdade é um título utilizado, segundo Lepine( 2000, p. 14) para designar uma senhora venerável, princesa, rainha. Estaríamos assim diante de um principio ancestral bastante antigo cujo culto de Buruku foi associado. Nã, constitui matéria primordial, semelhante aquela que encontramos num mito iorubá que fala da lama como matéria entregue à Obatalá para Este modelar os seres vivos. Nanã é o espírito que governa o Mundo.
Segundo um de seus mitos, depois de Nanã ter criado o mundo, ela deu á luz a gêmeos, Mawu e Lisa. Não seria o fragmento desta história que aparece no mito que menciona a presença de dois filhos ligados a Ela? Não saberíamos dizer de onde teria saído a oposição feio/bonito. Diz o mito que depois apareceu, Aizan, a morte. Em seguida Nanã criou Azomadonu, o ar. Depois os Voduns e as famílias de Heviosô, Dan e Sapata. ( COSSARD, 2006. p. 62.)
Da família de Heviosô, Sogbô, o rei; Possu, o mais velho; Loko, o mais novo filho de Sobô; Badé, o menino; Averequete, o pescador do rei; Agbé, o que mora com os astros; Aziri e Tobossi, voduns do Mar e outros.
Da família de Dan, Azomadonun, o mais velho; Bessem, filho de Dan. Kwenkwen, a cobra fêmea velha e Ojicu, a nova. Bessem se une a Ojicu e faz nascer Bafonô, Toquem, Doquem, Frequem, etc.
Da família de Sapatá: Azoani, Avimaje. Azansu. Poli Boji, Atolu
Na língua fon, a expressão Mino significa literalmente: Nossa Mãe Nã. Esta tradução nos remete a outro mito interessante.
Depois da criação do mundo, (LEPINE, 2000. p. 62) quando Mawi resolveu morar nas alturas, Nã preferiu ficar na terra. Ela residiu na floresta e passou a ser protetora das mulheres que a invoca todas as vezes que querem ter filhos. Esta história nos apresenta o inverso do Mito do abandono.
Parece que com o passar do tempo diante do impacto ora fruto dos contatos internos entre os grupos, ora externos, a noção de Nanã como criadora caiu no esquecimento. Isso fez com que no século XIX, Mawu fosse identificado com o Deus Católico e Lissa a Jesus Cristo. Processo semelhante teria passado este ancestral no Brasil. Isso vai aparecer no relato da disputa entre Nanã e Yemanjá.
Este mito em particular é um dos mais emblemáticos. Ele retoma a oposição entre aquilo considerado belo o seu contrário. Não precisamos ir longe para demonstrar que estes concepções culturais estão diretamente vinculadas a idéias econômicas, políticas e sociais. Claro que tal oposição não foi elaborada pelos africanos, ao contrário, anciãos e anciãs gozam de grande nas comunidades terreiros pois são responsáveis pela manutenção das tradições e considerados enciclopédias vivas.
Desconstruir algumas dessas imagens é muito importante ao menos para a afirmação da matriz cultural negro africana e fortalecimento de nossa auto estima.
Para finalizar quero retomar um mito que já há algum tempo não escuto. O que reafirma a idéia de que Nanã cuida do mundo.
Conta-se que uma certa vez, os caçadores realizaram uma longa caçada. Se empogaram tanto que saíram matando indiscriminadamente. Depois que acabaram com os bichos de penas, deram fim aos animais de quatro patas. Odé teria enlouquecido. Entrava nos reinos e matava até as crianças que estavam engatilhando. O único orixá que pode intervir foi Nanã, reestabelecendo a ordem.A humanidade agora estava salva, graças a Iya agba yin, a mãe mais velha.
Nanã é o principio criativo que se cobre com todas as cores, que veste todas as roupas. Nanã é um celeiro que além de recolher todos os grãos, é a dona da providência. Ela nunca se ausentou do mundo e não há filho órfão, pois ela participa de nossas vidas em tudo.
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Quem sou eu
- VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR
- Salvador, Bahia, Brazil
- Antropólogo, Doutor em Ciênciais Sociais pela PUC-SP e Pós Doutor em Antropologia pela UNESP. Membro do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, Grupo de reflexão inter-disciplinar sobre Teologia e cultura fundado no início dos anos 90 em São Paulo.Professor da Escola de Nutrição da UFBA, autor de vários livros na área de Antropologia das Populações Afro-Brasileiras.
fantastico, muito rico d sabedoria.
ResponderExcluirescreva sobre einlé.
abrçs. jorginho