segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
QUEM VAI SALVAR OYA DO FOGO ? INÃ KI JOYA
Vamos começar o texto desta semana de forma bem imperativa: Oyá é água. Ela é o rio Níger que corta com suas águas escuras vários Estados que atualmente compõem a Nigéria. Assim conta-se a sua origem: Após vários dias cercado por inimigos, o rei de Ijebu consultou os ancestrais e estes determinaram que uma oferenda deveria ser feita: “Um pano escuro deveria ser rasgado por uma virgem.” O rei escolheu a sua própria filha e após alguns procedimentos lhe entregou o pano que assim que era rasgado, as tiras que caiam iam transformando-se em correntes de água que juntando-se formaram o rio Niger, rodeando o reino de Ijebu que a partir de tal episódio passou a ser uma ilha circundada pelas águas chamadas de Oyá. História semelhante vamos encontrar para dar explicação ao culto do Orixá Oxun no rio que leva o mesmo nome e atravessa Oxogbo e até mesmo o culto a Yemanjá na cidade de Abeokutá. Retomar essa história que até já foi registrada no trabalho de Siriku Salamim King intitulado: Os orixás africanos, publicado pela editora Oduduwa é muito importante num momento em que tal ancestral enfrenta uma acelerada mudança de concepção. Se é verdade como sugeriu Roger Bastide que a escravidão impões às religiões trazidas pelos africanos a seleção dos ancestrais cultuados no Brasil, ora reforçando algumas características, resultando o desaparecimento ou o fortalecimento de outros, é digno de nota também que na atualidade, a representação desses ancestrais recebem “acréscimos” que na maioria das vezes visam atender as expectativas da “modernidade”, da “globalização”e da demanda turística. Se no início, os missionários católicos, juntamente com os traficantes tiveram participação na construção de algumas concepções confusas sobre alguns ancestrais, na atualidade isso fica por conta particularmente dos antropólogos ou outros simpatizantes que se antes haviam confundido os ancestrais com “deuses divinizados”, agora os tratam como “arquétipos universais”, uma espécie de tipologia, imagem, resumindo “formas de classificação.” Se por um lado isso atrai um público que ver as religiões afro-brasileiras como algo que vai além da preservação e afirmação dos elementos negro-africanos, tal fato não deixa de causar danos às matrizes culturais que formaram estas religiões. No caso de Oyá, as imagens oscilam entre a sensualidade, reduzida à sexualidade e à vulgaridade, depravação, estereótipos que desde cedo acompanharam a mulher negra. Não sei em que momento padronizou-se que a cor de Oyá é o vermelho. Venho insistido que orixá não tem cor, exceto para os órgãos de Turismo que atualmente vêem organizando festas religiosas na cidade de Salvador. Gilberto Freyre, por exemplo, nos vai informar o significado do uso do “encarnado” para a cultura portuguesa e espanhola. Era a cor das paixões, da atração, que inflamava os corações, utilizada pelas cortesãs no século XVI. O vermelho também era utilizado na prevenção ou combate de algumas enfermidades. Diferentemente, a “cor de coral”, remete à terra, representada pelo cobre ou outros metais. Fato é que esse apelo a sensualidade no orixá Oyá, acontece em detrimento da retirada desta de Orixás como Oxun e Yemanjá, ancestrais guerreiros que graças à sua aproximação com imagens tomadas emprestadas do Cristianismo, perdem também as suas características. Certa ocasião presenciei a comparação entre Oyá e a deusa romana Diana, caçadora, guerreira, que possuía várias formas. Lhe chamei a atenção afirmando que “Oyá ficaria mais contente” se fosse comparada a Isis, a deusa africana da imortalidade, que emprestou à Imaculada Conceição o título de Mater Dei , mãe de Deus. Assim como Mitra, o Deus Sol, celebrado no dia 25 de dezembro cedeu lugar para os cristãos comemorarem no seu dia, o nascimento de Jesus. Oyá é de fato, o ancestral da imortalidade. Como Isis, ela é responsável pela continuidade da vida. Se compararmos os dois mitos, Isis através dos bálsamos e perfumes garante a continuidade da vida através da mumificação e Oyá, da mesma maneira reunindo os pertences de seu pai, o velho caçador, após vários dias de festa, garante a sua memória. Mais uma vez o seu elemento é água, pois elas garantem a continuidade. Lembremos que o ar, nada mais é do que água condensada e os ventos, este ar fazendo movimentos rápidos. Como Isis, que ajuda-nos na travessia sobre o mundo dos mortos, Oyá leva como vento o último suspiro de cada um de nós, entregando-o a Olodumaré. Além disso, ela espalha as sementes como a borboleta que distribui o pólen entre as flores, misturando as cores, mantendo a vida. Oyá relaciona-se diretamente com os olhos, os mesmos que nos separa do mundo dos antepassados. Destes apenas podemos enxergar tiras de pano que balançam graças à força emprestada por Oyá. Esse fato é lembrado num mito que conta que certa ocasião, o povo do Dahomé, ou povo da cobra, marchou contra o seu reino a fim de destruí-lo. Em pleno dia claro, Oya apareceu toda vestida de cobre e o reflexo do sol sobre suas vestes foi de tal maneira que cegou o exercito e o fez recuar. Oyá liga-se ao mercado. Ela é o principio ancestral da troca, da moeda. Esta característica é evocada em vários mitos onde ela aparece como uma búfala ou um leopardo. Certamente por este motivo desde cedo africanos e africanas lhe evocou no momento das vendas. Oya, na verdade, surge de várias formas. Ela está em todos os lugares, daí um de seus títulos: Ya mesan Orun. Aquela que está em todos os espaços que nossos olhos não alcançam. Mas como o elemento fogo aparece ligado a Oya? Ora, tal elemento reveste-se de significado particular nas civilizações mais antigas. Enquanto as águas remetem à continuidade, o fogo diz respeito à transformação, mudança, movimento. Inã, fogo, é atributo por excelência do Orixá Exu. Como lembra o provérbio: “Um corpo que possui calor esta vivo, quando ele esfria está morto.” Já tivemos a oportunidade de explicar como Exu “anima” o corpo. Izô são as chamas, labaredas. Esfregando uma pedra na outra, ou dois gravetos, temos a faísca. Em seguida, abanando, por exemplo, temos as labaredas. Izô significa encontro, disputa, tudo que a fogueira, o fogareiro, o fogão de lenha, o moquém representou para a humanidade. Há apenas um mito onde aparece a relação de Oyá com o fogo, o qual já trabalhamos com o nome: O dia que o mundo pegou fogo. Trata-se da história que fala que Xangô pediu a Oyá que fosse à terra dos Baribas buscar algo que faria todos os reinos dobrar-se diante de sua presença. Porém, Oyá não deveria abrir a encomenda. Assim Oyá fez. Retornando, todavia, diante da recomendação de seu esposo, Oya abriu a caixa e provou a “fórmula mágica” que estava conduzindo. Ao entregar ao Rei, este se apressou logo em experimentar. Para sua surpresa, “Oya mal podia abrir a boca pois ela era um fogo só.” Graças a sua “ousadia” todos os reinos estavam salvos, pois passariam a dividir com o Rei o principio da transformação. Conta-se ainda que Xangô, não satisfeito com este feito, procurou o local mais alto do reino e começou a manipular a fórmula trazida por Oyá. Fogo, então, passou a descer do céu como chuva, sob a forma de meteoros e raios, incendiando Oyó. Após o desaparecimento do Rei, as lágrimas de Oyá deram origem ao rio onde hoje ela é cultuada. Com isso, encerramos nosso texto explicando que o título: Quem vai salvar Oyá do fogo é uma provocação para que reflitamos sobre como estamos nos apropriando das imagens produzidas ora pela academia, ora pela mídia. A descaracterização do Orixá Oyá é apenas um exemplo. Este tem me incomodado muito. Salvar do fogo significa procurar ir além das leituras que reduzem este orixá a tal elemento, afinal, “o fogo não queima Oyá, Inã ki joya. Não queimou na presença de Xangô, não queimou quando as labaredas desceram do céu contra o seu reino porque ela é água, é continuidade, garantida pela boca que comeu o fogo como Exu que comeu tudo e depois devolveu as coisas, agora, cheias desse principio divino transformador. Epa hei!!!!!
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Quem sou eu
- VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR
- Salvador, Bahia, Brazil
- Antropólogo, Doutor em Ciênciais Sociais pela PUC-SP e Pós Doutor em Antropologia pela UNESP. Membro do Centro Atabaque de Cultura Negra e Teologia, Grupo de reflexão inter-disciplinar sobre Teologia e cultura fundado no início dos anos 90 em São Paulo.Professor da Escola de Nutrição da UFBA, autor de vários livros na área de Antropologia das Populações Afro-Brasileiras.
viviane
ResponderExcluirtenho a maior honra de ter sido escolhida por oya para ser sua filha. acredito que ela seja um dos orixas mais completos e de envolvimento com os outros orixas.mulher astuta,sensual,guerreira,
esperta, envolvente, estressada rsrsrs.
traz ventos bons e levas os ruins. mulher fria as vezes. por dentro tem um enorme coraçao, nunca abandona quem dela precisa,nunca toque em seus filhos pois literalmente ela se transforma.
assim e esta linda mulher de esteriotipo guerreira porem com uma bondade incomparavel.
Gostei muito Dr. sobre o texto Oya. Parabéns.
ResponderExcluirUm abraço e meu respeito.
Oje Deyi.
Estou iniciando as minhas leituras mais acho tudo bem familiar
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